Diário do Designer: Ierusalem - Caminhante Não Tem Caminho
Conheça a jornada de Carmem Jiménez ao criar o jogo Ierusalém

Caminhante Não Tem Caminho

É assim que intitulo esta jornada, “caminhante não tem caminho”, porque certamente comecei o
desenho desde jogo só, sem caminhos abertos, sem nenhuma certeza, mas com uma ideia clara na
minha cabeça: fascina-me a figura histórica de Jesus de Nazaré e queria poder compartilhá-lo com o meu outro passatempo, com a minha outra vida, jogar, jogar e jogar.

Assim sendo, tive que fazer o
caminho enquanto caminhava.

O tema, o tema!

O tema foi, sem dúvida, o primeiro no jogo. Todo o resto devia adaptar-se e conectar-se ao tema.

E também, desde o princípio, soube que o essencial do jogo era o momento da ceia, esta última ceia que Jesus, sem saber, celebrou com os seus seguidores. Aqueles momentos em que estás confortável, a falar com os teus companheiros, onde o vinho te deixa a vontade e és capaz de te abrir e contar algum pequeno detalhe mais íntimo da tua vida. Esse momento, que Jesus viveu e desfrutou com os seus amigos e amigas, onde compartilhar pão e vinho foi o prelúdio de compartilhar a vida e a morte.

Foi no início de 2020 que comecei a desenhar o jogo. O centro, a mesa da Última Ceia, como dissera, sempre esteve claro. E também claros foram os vários locais do jogo, pois se correspondem com os lugares mais frequentados pelo próprio Jesus em sua vida pública. Deserto, Monte, Lago e Templo, são espaços comuns nos quais Jesus se reunia com quem lhe queria escutar. O mercado é mais uma licença que se corresponde com os povos distintos e aldeias por onde passava a comitiva e, mais a frente, serviria estupendamente para a ação de comércio e posteriormente inclui também aqui a alternativa de escolher uma carta de Mahane, para poder tornar mais fluídas as cartas na mão.

Minha ideia com respeito ao tema, além do óbvio, foi centrar-me num aspeto concreto; exatamente nas disputas internas que estavam ao lado de Jesus e entre os seus apóstolos, para ser o primeiro antes dele e com ele. Neste grupo grande de pessoas, que haviam o acompanhado desde que saíram da Galileia, sua terra natal, e que estava a crescer à medida que Jesus percorria aldeias e povos com a sua mensagem; entretanto, e como em todo o grupo humano, existiam atritos e interesses distintos. Isto é o que quero mostrar no jogo. Jesus fora rodeado de seres humanos.

A Mecânica… E a dor de cabeça

Com a mecânica a coisa não foi tão fácil; a primeira ideia do jogo revelou-se um tropeço contínuo, um absoluto desastre. Eu queria, além de utilizar a pedra no deserto, o pão no monte e os peixes no lago, implementar ações onde estes recursos seriam trocados por recursos “espirituais”, como amor, fé e esperança - e estes recursos eram os que permitiam sentar-te na ceia. Com o qual, era uma grande dificuldade conseguir recursos básicos para trocá-los por recursos espirituais. Isto se fazia no Templo. E quando comecei a prova-lo, somente eu, me dei conta de que era uma verdadeira missão impossível levar muitos seguidores à mesa, devido a tantas trocas. Apenas na partida podiam chegar dois ou três seguidores. Este não era o objetivo. Devia focar-me em como potencializar a fonte principal de pontos, que é sentar-se à mesa com Jesus. O que eu digo, um despropósito.

Além disso, o turno seria com um peão, que se colocaria num lugar livre e se faria uma ação. E sim, mais adiante, o jogador teria uma carta deste lugar em sua mão, poderia jogá-la.

E mais adiante, a princípio, Jesus estava num canto da mesa (não consigo pensar agora na razão pela qual coloquei Jesus num canto…, não sei em que estava a pensar) e os apóstolos estavam no centro, ao redor da mesa. Mas para colocá-los, havia idealizado uns azulejos com símbolos distintos, que também teriam as cartas (além dos lugares) e que era o que dava a combinação adequada para colocar a cada apóstolo.

Tudo isto junto, iria compor um jogo complicado de jogar, com muitas ações desnecessárias. Esta é a primeira regra que aprendi no processo de desenhar jogos, e a aprendi jogando. Quando comecei a testá-lo, sentimos a necessidade de recortar tudo aquilo que não servia e deixar somente o que importava.

O Teste - Começam as bofetadas no meu ego

O meu grupo de testes foi fundamental para realizar as mudanças. Eu jogava muito num canal do Discord e foi lá que conheci o Alberto Cordón, que foi o primeiro a quem disse que estava a fazer um jogo. Quando lhe falei do tema, se surpreendeu e disse: “o tema é arriscado, Carmen, muda o tema, estaria bem se fosse “Os cavaleiros da Tábula Redonda”, ou algo assim. Repensa-o”. Passados alguns dias voltamos a falar e disse-lhe: “Alberto, o tema é o tema”.


Mãos à obra, ensinei-lhe tudo o que havia feito, previamente tive que passar infinitas horas a familiarizar-me com o TTS (simulador de jogos de mesa) para lá colocar tudo o que havia desenhado no Photoshop. Pode parecer que não, mas os pequenos detalhes, os programas distintos, as configurações, etc, vão roubando minutos do trabalho e tens de contar com tudo isto quando desenhas. Além de conciliá-lo com o teu trabalho e tuas relações. Por esta razão, durante todo esse tempo, esqueci-me de jogar alguma coisa na mesa. Te concentras de tal modo no jogo, que não há qualquer atividade distinta que faças sem estares a pensar no jogo; eu conduzia a pensar no jogo, dava aulas a pensar no jogo, estava num encontro com amigos a pensar no jogo, são momentos bastante intensos quando tudo vai a tomar a sua forma.

Junto ao Alberto e outros membros do grupo, como Lolo, Dani, Carol, Vane, começaram os primeiros testes e as primeiras sensações do jogo. É um momento delicado, quando te dizem aquilo que não queres ouvir. Quando te dizem que terás de mudar as coisas. Minha primeira atitude foi de rejeição, não queria tocar em nada do que havia criado (erro grosseiro). Disseram-me, por exemplo, que Jesus não poderia estar num canto, que a distribuição da mesa estava errada. E tinham toda a razão. A mim só me restou reeducar a minha mente, para que a prioridade fosse a fluidez do jogo e não, simplesmente, o que queria transmitir.

Deste modo, com todo o feedback recebido nos primeiros testes (processo que durou três meses, mais ou menos), considerei um jogo bem diferente e muito próximo do que finalmente avançou.

Ao Andar se faz o Caminho

Coloquei Jesus no centro e os apóstolos ao seu lado. A forma de colocar e pontuar os apóstolos, essa, sempre a tive clara. Unicamente eliminei os azulejos de símbolos que teria de combinar para levar os apóstolos à ceia e os troquei pelos próprios símbolos das cartas que se jogam, o que simplificava bastante.

Eliminei, além disto, todos os recursos “espirituais”. Nada de amor, nem de fé, nem de esperança. Para entrar na ceia faltam recursos básicos. Assim me aproximava mais da realidade dos primeiros seguidores e, sobretudo, seguidoras, que tal como disse o Evangelho, serviam a Jesus com os seus bens. Os bens (recursos no jogo) são muito importantes, porque se oferecem para benefício de toda a comunidade e porque a sua reserva no tabuleiro é limitada. Os bens são limitados, isto é o que quer dizer o armazém de recursos do nosso tabuleiro.

Não me dei conta até final, que à medida que eu simplificava o jogo, também estava a aproximar-me mais à verdade daqueles seguidores, que se sentavam à mesa a oferecer o seu pão e a sua comida, que era a única que tinham. Eu queria olhar para a transcendência e o jogo me obrigava a olhar para o chão, a ter os pés na terra.

Também, temos um recurso que são as pedras. Parece que é um recurso que não corresponde muito aos demais; porém, tematicamente é fundamental; pois Jesus no deserto vive uma forte tentação, o demónio lhe disse: “Se és o filho de Deus, faz com que estas pedras se transformem em pão” (Mt 4,3). Jesus, evidentemente, não o fez. Porque sabe que as pedras, pequenas canções ou rochas enormes, são desafios na vida - são todas aquelas coisas que gostamos tanto, mas que nos fazem ser quem nós somos. Estas pedras também são oferecidas para se sentar à mesa com Jesus.

E, como última troca profunda, eliminei o peão que se movia através dos lugares. O turno passou a ser JOGAR UMA CARTA. Isto é a simplicidade. Fui a podar tudo aquilo que, ainda que para mim a princípio fosse como cortar o próprio braço, logo a minha mente foi evoluindo, a pensar no que seria melhor para o jogo, e não para mim. Neste ponto tenho de reconhecer que, ainda que a minha louca mente e a minha imaginação me levem a mais e mais, no desenho de jogos de tabuleiro, menos é mais.

Deste modo, a base principal do jogo estava completa.

Ações Principais

As ações principais do jogo, que são as que aparecem nas cartas dos jogadores são: Levar um seguidor à ceia, Escutar uma parábola e Fazer um favor. Queria refletir a principal missão de Jesus ao percorrer as aldeias e por isto as parábolas, a forma com que Jesus ensinava como era o seu Pai.

As parábolas eram aleatórias ao princípio, não me incomodava um elemento aleatório e isto eram as parábolas. O jogo sempre foi um “set collection”, mas se conseguiam a jogar um dado e pagar as pedras. Foi Fran, da Latin Ludes, quem, ao finalizar uma partida, me disse que não havia ido às parábolas porque não lhe atraia em nada o sistema. Isto me fez pensar um pouco mais e, ao final, decidi retirar toda a aleatoriedade.

Modifiquei a forma de conseguir parábolas. Tive muitos destes pequenos feedbacks, que me fizeram reconsiderar certas coisas, as quais, continuam a ser importantes para o jogo, mas não eram imprescindíveis - cujas alterações o faziam mais fluido e elegante. Também Maria Casbar, da Ludo, me incentivou a trocar o sistema de obter as parábolas.

A outra ação que sempre tive clara foi a ação do FAVOR. Neste jogo deveria haver uma ação onde fizesses o bem ao outro. Eu queria representar a ação “Fazer um favor”. É uma ação com que favoreces outro jogador e, com isso, consegues um benefício. Ainda que certamente, nem tudo é generosidade incondicional com os Favores; também algum jogador pode oferecer um favor para ficar bem e logo o favor acabe por não servir ao favorecido. Isso são coisas do jogo…

É criada uma boa dinâmica no jogo sobre: “a quem vais fazer o favor…, a quem já o fez antes…, a mim porque não…, já tens dois…, eu não tenho nenhum…,” gosto muito desta dinâmica que se gera em torno dos favores.


Paradoxalmente, o track de favores tem sofrido bastante trocas, pois queria equilibrar aquilo que se recebe com os favores e além do que o track propriamente oferecia alguma bonificação a quem o recorre. Sofreu muitas modificações, como eu digo, até deixá-lo como está definitivamente. A ideia de fundo é que quem faz muitos favores, recebe muitos pontos.

Outra das coisas que sofreu bastantes alterações foi a recompensa que te proporcionam os apóstolos quando os colocas. Fui oscilando entre mais interação e menos interação. A minha primeira ideia foi que, com quase todas as recompensas, os apóstolos permitissem mover a outros seguidores na ceia e mudá-los de lugar, ainda que fossem seguidores de outros jogadores. Logo descobri que isto não poderia ser aplicado, que o caos se apoderaria das partidas e a sensação de pouco controle nos jogadores não era agradável. Quer dizer, esforçares-te toda a partida para colocar os teus seguidores ao redor de Jesus e alguém, numa última ação, poder mover um seguidor teu - e de uma só vez tirar-te um montão de pontos - seria muito frustrante e não se enquadrava nada com o objetivo do jogo. Então modifiquei estas recompensas, para deixá-las num equilíbrio de interação que proporcionasse uma experiência de jogo satisfatória, sentindo que muitos seguidores conseguiram sentar-se onde queriam.

O Final... e Judas

Quanto ao final da partida, a minha intuição sempre foi que o gatilho marcará o Sinédrio, este concelho de sumos sacerdotes que ordenou a morte de Jesus. A ideia é imaginá-los indiferentes quando pela primeira vez ouvem falar do Nazareno, e pouco a pouco, descobrir como da indiferença, passam a preocupação e daí para a raiva e a ira. Para finalmente, depois de ver a entrada em Jerusalém com centenas de seguidores, condenarem Jesus à morte. O final do jogo é instantâneo neste momento. Esta forma de acabar foi chave e desde o princípio inalterável. É por ele, que estando consciente que esta forma poderia fazer com que os primeiros jogadores tivessem um turno a mais, no setup inicial se equilibra com denários e pontos adicionais.

São ideias que durante o desenrolar do jogo vão passando pela cabeça, algumas permanecem e outras desaparecem. Eu suponho que cada pessoa desenha à sua maneira. Há um momento de inspiração muito potente na minha vida e é justo quando acabo de me deitar. Lá mentalmente jogo, embaralho devagar, vejo as cartas, realizo o meu turno, me pergunto o que fazer e quando está feito as ideias fluem, a descartar algumas coisas, a acrescentar outras… e assim adormeço. Logo, no dia seguinte, como por feitiço, pego em tudo o que pensei durante a noite e implemento pela manhã com mais luz. Muitas das horas as passo a jogar na cama.

...e Judas

Assim surgiu também a ideia do Judas. Ei de reconhecer que, num primeiro desenvolvimento do jogo, Judas não estava presente; realmente foi uma das últimas incorporações. Uma noite chegou essa luz e, na manhã seguinte, sem dúvida, se implementou no jogo. Tive que refazer o grupo de apóstolos, já que Judas seria de uma cor diferente e, além disso, no final da partida, daria pontos negativos. Num primeiro momento ele teria uma cor castanha, enegrecida; e foi David Esbrí quem teve a ideia de fazê-lo da cor “prata”. Não tive nenhuma dúvida na recompensa que concederia Judas, denários claro. 30 moedas teriam sido tematicamente geniais, mas destroçariam o equilíbrio do jogo.

A Capa, Meu Coração

Os jogos, ou ao menos me ocorreu neste, quiçá por ser o primeiro, levam uma parte de nossa vida, queremos retratar neles algo nosso, algo que para nós seja importante. Foi o que senti quando pensei na capa. Era muito difícil pensar numa capa adequada. Ao final, numa dessas noites brilhantes, com ideias brilhantes, me ocorreu uma ideia. A capa seria o rosto de um homem, com um fundo de um povo por trás. Mas, que rosto? Que homem? Estive a vasculhar muitas horas na Internet, em busca duma imagem que pudesse modificar no Photoshop a meu gosto, de modo a mostrar o que queria, mas não conseguia encontrar alguma.

Ao final, chegou em minha cabeça uma ideia que em seguida voou ao meu coração e ficou.

O meu irmão José foi o modelo perfeito… morreu com 33 anos.

JOGAR A DOIS: Seguidores amigos

O jogo estava praticamente terminado, faltava ajustar o número de jogadores e uma outra coisa importante - as regras. Eu supus um desafio pensar no jogo a dois porque as mecânicas não encaixavam sendo duas pessoas. Sobretudo, a ação de Fazer um Favor ficaria muito sem graça, pois desapareceria o fator “escolher alguém”. Eu faço um favor a ti e tu fazes-me outro… era necessário ter outro sistema. O Alberto ajudou-me muito nisto, pensamos num sistema de Seguidores Amigos, que eram todos aqueles meeples das cores que não jogavam, mas que teriam igualmente o seu lugar na mesa.

Acrescentaram-se um par de ações nesse sentido, com o objetivo de, em vez de favores, ajudar os distintos seguidores amigos a juntarem-se, para que ficassem juntos na ceia. Essa ideia simples se mostrou à partida muito sólida e divertida.

É Tempo de Partir

Com tudo isto pronto, um dia vejo nas redes sociais de Meeple Factory o anúncio de um concurso de protótipos em Granada, precisamente onde passei os melhores anos da minha vida estudando Teologia, entre pássaros e passarinhos (recordo que a faculdade tem uma maravilhosa Biblioteca, rodeada de árvores e natureza; vários estudantes de outras faculdades a frequentavam por essa razão). Assim que, sem duvidar, me inscrevi. Tinha que mandar imprimir o protótipo e ainda me faltava preparar todo o regulamento. Aproveitei uns Exercícios Espirituais que fizera nesse verão em Ávila, para receber toda a inspiração da Santa e terminar o livro de regras a tempo. Me apresentei no concurso e o jogo conseguiu ser finalista.

Aquele fim de semana em Granada foi espetacular, primeiro pelas pessoas que ali estavam, cada um com o seu protótipo, com a sua ilusão, com o projeto a reboque e querendo que as pessoas dele gostassem. Ali conheci a Carmelo, de Ludus Lab, a Cata e a Elena, autores de Tindaya, o Gabriel, a Paloma com a sua Federação, agora SUN, em Verkami… muitos autores novatos como eu, com nervosismo e muitas risadas. Também passou por ali Daniele Tascini, interessado no jogo. Foi um grande desafio explica-lo. E o mais importante, muitas pessoas passaram e ficaram a conhecer o jogo. O feedback não podia ter sido melhor, o carinho de todos que se sentavam à mesa e como olhavam para o tabuleiro foi incrível. É a melhor experiência para um autor de jogos - que as pessoas desfrutem de algo que foi criado justamente para desfrutar.

Ali conheci o Juan, um dos organizadores do evento, e foi tão amável, tão atencioso, tão solícito, que fez do concurso uma experiência inesquecível. Recordo do zumbido em redor do tema do jogo. É verdade que, no final, o meu jogo ganhou o concurso e isto trouxe muita emoção a todos. Mas voltarei sempre que puder. O prémio, além de um valor em dinheiro, foi poder comparecer ao DAU de Barcelona como protótipo eleito.

E lá fui eu.

A experiência no DAU também foi excelente. Alberto me acompanhou e pudemos exibir o jogo na mesa. Ainda com as restrições da COVID, as pessoas desenrascaram-se e muita gente foi ver o jogo, pessoas essas que agora me escrevem e me recordam. Jogamos tudo o que pudemos e foi muito divertido.

No sábado surgiu David Esbrí, interessado em jogar uma partida. Programámos para a tarde e compareceu acompanhado por Chema Pamundi. Eu estava nervosa, queria mostrar-lhes tudo e dizer-lhes tudo, no entanto, afinal, foi o próprio jogo que falou. Eles gostaram. E aí começou a aventura.

Desde a Nigéria, com amor

O trabalho de transformação gráfica que o jogo recebeu foi espetacular. LA Draws foi encarregado de todas as imagens interiores do jogo, quer dizer, todas aquelas que proporcionam a ambientação e o contexto histórico representado. O seu estilo tão realista, por vezes tão fotográfico, proporciona profundidade à experiência e permite que entremos no “mundo” do jogo com maior facilidade.

Tenho que agradecer a David Esbrí a sua cuidadosa atenção, pois cada passo novo que dava o jogo, num sentido ou noutro, mostrava, perguntava e sugeria. Tem sido uma delicia trabalhar com ele. Além do mais, é um orgulho para mim, que outra parte bem importante a nível gráfico do jogo, tenha saído de suas mãos. Todos os desenhos Românicos que pretendem romper e contrastar com o estilo realista de Olayde, são do David. o Pantocrator…

Logo está o desenho gráfico de todo o jogo, entregue a Samu, da Meeple Foundry, com quem também tive o prazer de jogar uma partida no TTS, de modo a poder ambientar a imaginação criativa de Samu na linha do jogo. Revelou-se muito importante, em todas as etapas da produção, termos presente a singularidade do tema do jogo. Foi tido isto em conta permanentemente e creio que foi conseguido.

E, numa perfeita mescla de prazer e orgulho, está a participação de Chema Pamundi na redação do livro de regras. Passámos uns bons dias a organizar tudo. Desfrutei ao ver como a cabeça prodígio de Chema ia recolocando todos aqueles conceitos que lhe contava sobre o jogo, as questões mais temáticas e os significados simbólicos. O resultado está a vista.

E os Solitários? Barrabás

Algum tempo depois do DAU, David Esbrí pediu para pensar num modo solitário, a ver se podíamos acrescentá-lo, pois há muitos jogadores que desfrutam a jogar sozinhos. Pus-me a pensar; queria um sistema solitário que não ficasse muito pesado para o jogador, que se resolveria rapidamente, mas com profundidade. Cheguei à conclusão que um baralho de cartas para o autómato seria o melhor e mais fácil. Pegar numa carta e fazer as ações, sem mais.Começei a pensar em cada carta, em ações que não requeressem outra pessoa. Talvez não devessem haver Favores, mas sim Seguidores Amigos e também recompensas impressas no tabuleiro, como já se fazia com dois jogadores. O mais difícil no modo solitário foi colocar os Apóstolos, pois a inteligência artificial não consegue fazer combinações de cartas. Isso foi solucionado com os azulejos do Sinédrio, que viriam a marcar a colocação dos Apóstolos.

E novamente, numa noite brilhante apareceu uma ideia luminosa. O autómato seria Barrabás. Creio que David gostou muito e convidou todos a enfrentar Barrabás, nos vários desafios que se apresentam ao longo do caminho de Jerusalém.

O Círculo se Fecha

Como se tivesse sido pouco, chegamos ao final com uma capa de Enrique Corominas que é sublime, que recria a cena muito mais além do que eu própria imaginara. Me deixou hipnotizada. Há vezes que dou por mim a olhar para a capa e me deixo levar pela contemplação da cena - a minha cabeça voa a imaginar o que ali se passaria, como seria o tom de voz de Jesus, qual seria o seu aspeto, os seus gestos…

Este homem que tem tocado tantos corações ao longo da história, que tem inspirado as obras de arte mais maravilhosas, as ações mais heroicas, os poemas mais bonitos. O homem que inspirou este Requiem, recriado e desfrutado em Lacrimosa. O homem que inspirou esta bonita Catedral de São Basílio em Moscou, conhecida por nós como Red Cathedral. O homem que morreu numa cruz.

Agora tudo está cumprido, chega o momento da verdade. E este momento, tenho que reconhecer, me assusta. Sinto uma inquietude interior por saber se irão gostar do jogo, se funcionará, se será interessante, se fará pensar… Mas outra parte, dentro de mim, está segura e contente.

Esta é, sem dúvida, uma das melhores experiências da minha vida.

Obrigada.

Carmem García Jiménez

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